sábado, maio 03, 2008

O Estado da Psicologia em Portugal



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O Estado da Psicologia em Portugal

A Psicologia é uma ciência recente no contexto da evolução científica ocidental, com pouco mais de um século de existência, encontrando-se ainda numa fase de estruturação, com diversas correntes teóricas ainda não totalmente consistentes.

É uma ciência que surge no topo da evolução humana, após se especificarem conceitos amplamente apreendidos, com base em diversas disciplinas científicas, entre as quais se distinguem a medicina e a filosofia.

É, assim, uma ciência, da qual surge uma prática profissional, que apenas reúne condições para se estabelecer em sociedades desenvolvidas e civilizadas.

A utilização do conhecimento científico da Psicologia no âmbito da acção para o desenvolvimento humano começou por se estabelecer em contextos institucionalizados, uma vez que, no passado, as pessoas que sofriam de perturbações psicológicas não eram considerados doentes, e lhes era vedada a vida normal em sociedade sendo colocados compulsivamente em “asilos” sem qualquer tipo de acompanhamento. Por essa razão, os Psicólogos começaram por ser identificados como aqueles que tratavam os “malucos”, sendo que foi esse tratamento que derrubou as barreiras dos asilos devolvendo a dignidade a essas pessoas, que passaram a ser doentes e tratados em hospitais.

Se nos países evoluídos a Psicologia ainda está a nascer – em termos de consistência científica - em Portugal, a sua introdução nas universidades, e na sociedade, é muito mais recente, com apenas algumas dezenas de anos.

No entanto, por ser uma ciência no topo do conhecimento – estuda o que o ser humano tem de mais nobre, enquanto pessoa que sente, pensa e age – uma ciência que cresce nos países mais evoluídos que todos querem imitar, e aparentemente uma ciência acessível, tornou-se alvo de procura por todos os que buscam o conhecimento, ou apenas o crescimento académico.

As universidades e as faculdades encontraram aí uma fonte de sucesso, não só porque a procura por parte dos estudantes era elevada, mas também porque a resposta por parte dos docentes podia ser vasta e sem grandes barreiras teóricas nem supervisão por qualquer tipo de entidade.

Formaram-se assim muitos milhares de estudantes em Psicologia que muitas vezes partilham poucos conhecimentos teóricos entre si. E transportaram essa formação “deformada” para a vida profissional - quando a conseguiram alcançar.

A intervenção da Psicologia no âmbito das políticas de saúde é, desta forma, estabelecida sem a existência de uma ordem, um colégio, ou uma entidade que coordene, indique, ou fiscalize.

Pelo caminho surgem várias organizações que pretendem assumir esse papel, sem que nenhuma delas encontre consistência suficiente para o fazer, também porque as diferentes formações e correntes teóricas tentaram impor-se umas perante as outras, criando mais divisões que uniões.

Devido à acção dos Psicólogos, até então, e ainda que, desorganizada, foram criadas necessidades na população no que concerne à intervenção psicológica. Tal intervenção é, por demais premente, em muitos contextos, nomeadamente na saúde mental, no desenvolvimento escolar, no planeamento familiar, na justiça, nos comportamentos de risco, nas situações de catástrofe, para além das intervenções nas organizações, nas comunidades, no desporto, a comunicação e no marketing, etc. Ou não fosse Portugal já um país desenvolvido!

Estas necessidades têm sido colmatadas com o trabalho dos muitos Psicólogos que, ao longo dos anos foram estabelecendo a sua intervenção, com mais ou menos sucesso, e principalmente por um enorme número de Psicólogos, com relativa precariedade, com recurso a subsídios em determinados programas, recibos verdes, trabalho voluntário e estágios.

O número de pessoas formadas em Psicologia em Portugal é muito elevado tendo em conta a população, e as universidades continuam a formar, a cada ano que passa, centenas de novos licenciados em Psicologia.

Cresce assim o número de licenciados em Psicologia que não encontram trabalho nessa área, bem como as frustrações de quem apostou numa carreira, eventualmente de sucesso, no topo do conhecimento, que afinal se traduz num enorme fracasso.

Tudo isto acontece porque no interior da profissão/ciência, ninguém se preocupou em definir regras, nomeadamente os primeiros Psicólogos formados em Portugal. As universidades, por sua vez, apenas se preocuparam com o número cada vez maior de alunos e cursos, pois é daí que advêm as suas receitas. E no exterior, naqueles que deviam determinar os acessos às universidades e às profissões, de acordo com as necessidades reais e previsíveis do país, também nada se fez. Nos governos, os ministérios da educação/ensino superior e do trabalho, ao longo de todos estes anos, nunca se preocuparam com este problema.

Na Assembleia da República encontra-se há muito uma proposta para formalizar a criação da Ordem dos Psicólogos. Mas, por algum motivo, tal formalização parece não avançar. Ou porque os Psicólogos não querem, ou porque os governantes não querem.

Certo é que, após a sua aprovação, eventualmente muitos dos actuais e novos licenciados em Psicologia não terão acesso à profissão de Psicólogo. Mas isso é apenas o caminho que tem que se seguir, com organização, já que o acesso está limitado por natureza, sem organização.

Se a Ordem, ou qualquer outra organização não for criada, e os Psicólogos continuarem a procurar os bancos alimentares para sobreviverem, isso apenas será o resultado daquilo que construirmos.

E se alguém ainda continuar a pensar que a Psicologia é uma ciência desnecessária, é porque se sente a viver num país de terceiro mundo que excluí os doentes. Esquecendo-se que um dia pode adoecer.

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